sexta-feira, 9 de abril de 2010

Irreversível


Irreversibilidade não existe. Irreversibilidade é aquilo em que passamos a acreditar quando desistimos de algo. A escassez de esperança e as lacunas de coragem que crescem assemelham-se a uma falta de poder inalcançável que nos leva certamente a pensar que o que está feito não se pode anular. Mas não é bem assim. Se pensarmos mais e melhor na questão, podemos anular tudo, podemos alterar todas as situações e convertê-las de modo a que se desloquem a nosso favor novamente. É claro que não o faremos de forma singela e regular, muito menos fácil e leviana. Leva tempo, leva tempo, esforço e sobretudo uma vontade tremenda de continuar com a maré para o nosso lado. Se não remarmos o suficiente é lógico e previsível que a meta não vá chegar até nós sozinha: se não batalharmos por ela só sairemos vitoriosos se os oponentes se derem como vencidos, ou então morremos em campo, sozinhos e despedaçados. Quem estiver à espera desta última hipótese positiva, vai dar o seu luto tal e qual como deu o seu nascimento.
A paciência é um dom reajustável e raríssimo, díficil de encontrar, por isso temos hoje tanta “irreversibilidade” lado-a-lado. A manipulação radical do tempo nestas alturas, nas alturas passadas e naquelas que virão, não é algo que se possa fazer ao de leve e que se compreenda à primeira. É necessária aquela pletora de delicadeza e de graciosidade que nos permite revelar o tempo no próprio tempo, desenrolá-lo, interpretá-lo e curá-lo pacientemente, sem ter pressa de chegar ao fim. E para quem pensa que é impossível fazer tal, enganam-se. O tempo é como uma superfície rugosa, incerta, não-paralela aos acontecimentos da vida, sem linhas e sem margens de orientação, sem réguas e sem esquadros. É oblíquo e descontínuo e não leva uma ordem ou um padrão certos. Cada pessoa tem a possibilidade de medir as suas próprias horas, diversificar os seus minutos e aproveitar todos os segundos como se fossem os últimos. O ínfimo túnel da paciência só se alarga quando começamos a fazer isto com consciência e sanidade, com atenção e minuciosidade, quando começamos a endireitar os riscos da vida e do mundo na linha do tempo, mesmo que para isso tenhamos de riscar, rasgar ou impregnar o que já lá foi descrito.
Por isso, para aqueles que usam a palavra irreversível mais do que uma vez ao dia, reparem que talvez a irreversibilidade crónica de que tratam não seja tanto isso como se pensaria que fosse, evidentemente. Essa irreversibilidade prática e traiçoeira que tanto transcrevem nas situações ao acaso aparenta-se mais com uma falta de vontade, coragem e fé para retroceder mentalmente na escala cronológica e segurá-la com as próprias mãos, enquanto os nossos e vossos e todos actos futuros a traçam de novo, numa folha branca e limpa, nunca antes utilizada.

6 comentários:

  1. Oi, Joana!

    Parabéns pelo Blog! O conteúdo dele é super legal!

    Estamos te seguindo também!

    Qualquer coisa, estamos a disposição!

    Receba muitos beijos, abraços bem espremidos e o eterno carinho da Cia. De Teatro Atemporal!

    Clemente.

    Cia. De Teatro Atemporal.

    Rio de Janeiro, RJ - Brasil.

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  2. a tua noção de irreversibilidade fascina-me :)
    ate manha Joana

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  3. isso não foi irónico pois nao?
    até manha :)

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  4. este teu texto fez com que eu percebesse certas atitudes minhas! às vezes penso que já não vale fazer certas coisas porque não tenho força de vontade de continuar a fazê-las, mas tens toda a razão com este teu texto, porque se eu não mudar e não conseguir fortalecer à medida que a minha experiência de vida vai aumentando, vou acabar por morrer sem ter aproveitado nada e sem me ter sentido minimamente leve. ly jujuca <3 (isto claro, é sobre metade do meu "eu", porque na outra metade, sou extremamente confiante!)

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  5. Joana :)
    não não era irónico o meu coment de ontem.
    hoje não sei que te escrever, ando estranho, esquesito ,não consigo perceber o que se passa comigo, quanto mais pensar em algo para te dizer :)
    espero que não fiques triste, o que também seria estranho, não fazendo a mínima ideia de quem eu sou :)
    ate manha Joana :)

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  6. não fico triste, porque acho que vais ter mais oportunidades, e nao por nao saber quem és :)

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