segunda-feira, 31 de janeiro de 2011

Teorias


Pensamos em quantas letras se escreve a palavra “vida” e já não cabem os números nos dedos das mãos. Pensamos nos livros encadeados e embalados nas bibliotecas, repletos por vocábulos dos filósofos que tentaram definir o conceito indefinível. Pensamos nas composições poéticas dos mais eminentes letrados, olhamos para as rimas e para as acentuações metafóricas a tentarem interpretar o que é a vida… mas nem nos poemas, nem nas teses vastas, nem na batalha da álgebra, nem mesmo na decadência das sociedades actuais, muito menos nas desprezíveis acções quotidianas rotineiras que nos preenchem as vinte e quatro horas de humor.
A vida é tão grande quanto nós somos pequenos, e é tão apassivante pensar que ela não cabe numa única teoria.

sexta-feira, 28 de janeiro de 2011

Dar? É um prazer!


A matéria permanente de qualquer que seja a relação: um ama mais que o outro. E um é menos amado, em prol do outro, que não ama tanto. Indiscutível é também que todos queremos amar menos e ser mais amados – quanto menos se ama, menos dói; quanto mais amados somos, mais satisfação se arrecada. Mas se toda a gente for tão egoísta ao ponto de querer receber mais do que aquilo com que paga, então porque é que miseramente perduramos a latejar por uma gota de suor romântico e ternurento que nunca chega, dando tudo o que há e que não há na nossa essência, em demanda do tal troco?
Uma das leis mais divertidas e sarcásticas da Natureza é esta: ama aquele dá, e é amado aquele que exige. “Vestir as calças”, como é hábito referir, é precisamente tarefa daquele que exige receber, que exige, automaticamente, ser amado. Mas se exige, constata-se facilmente que não ama, ou pelo menos não como se pensa. Porque amar, esse sim é o dom dos verdadeiros dadores, que se oferecem integralmente sem o horizonte de uma medalha para troca. Muito claro e perfeitamente compreensível: dar afigura-se num prazer muito mais inesquecível do que receber, e porquê? Porque a pessoa a quem oferecemos, para além de se tornar também ela inolvidável, passa a ser necessária. E como necessidades levam a outras necessidades, sendo esta nenhuma excepção, dar é um vício daqueles que amam, é a paixão sinistra e incompleta e é o balançar do envolvimento.

quarta-feira, 26 de janeiro de 2011

Perdoar sem Agravar



Sem comparação, é muito menor mal receber agravo que agravar alguém; ser injuriado que injuriar; e é melhor que outros te enganem do que enganes alguém, como, por sabedoria humana, chegaram a compreender gentios como Sócrates, Platão e Séneca. Lembra-te que é coisa de homens e conforme à fraqueza da nossa humana natureza sofrer engano ou errar. Por isso não leves tão a mal os pecados cometidos pelos outros, nem te sintas tão agravado pelo erro que cometeram contra ti.
Perdoar é próprio dos ânimos generosos, mas guardar rancor é coisa de homens ásperos e cruéis, baixos e de casta ruim; isto a mesma natureza o mostra nos animais mudos.

Juan Luis Vives, in 'Introdução à Sabedoria'

Schiele


"I do not deny that I have made drawings and watercolors of an erotic nature. But they are always works of art. Are there no artists who have done erotic pictures?"
Egon Schiele

terça-feira, 25 de janeiro de 2011

Sem saber


Tudo o que te peço todos os dias de manhã, bem cedo, é para quando fores embora, não me dizeres.
Podes vir deitar-te ao meu lado e aconchegar-me com o cobertor azul-bebé, ou então podes acordar-me de manhã e acariciar-me o rosto como se da tua própria pele se tratasse. Podes vir sentar-te comigo na lua e no fim, podemos nem dormir, de tão atentos que vamos ficar a observar-nos mutuamente. Podes fazer de mim a tua deusa e pintar-me tal e qual como não sou no real só para o ser nos teus sonhos. Podes vestir a camisola que te dei e fazer dela uma segunda pele. Acredita que podes fazer de tudo.
E eu nem sequer preciso de te ver para te sentir, porque o sentimento cega, ensurdece e pára tudo em nosso redor somente porque não estamos juntos. Até os ponteiros do relógio de parede da sala parecem adivinhar quando tu vais, quando eu vou, e param… param até tu voltares e até me veres de novo, como se nunca nada se tivesse passado na tua ausência. Imagina que até o relógio se suspende no fio da eternidade por tu não estares ao meu lado. E quando estás ele queixa-se com o seu tic-tac, porque sabe que enquanto estás está preso àquele sonoro e àquele balançar. Um dia abro o vidro do relógio e tiro os ponteiros. Eles ficam livres e nós cometemos finalmente a loucura de esquecer que o tempo realmente existe…
Se não fizer isso rápido, quando tu partires para sempre, os ponteiros também vão sumir contigo. Não te apresses, não corras, não partas nenhum vidro, não te exaltes com o chuva lá fora e vai em pontas para eu não sentir o mínimo incómodo. Quando saíres, por favor, não batas a porta, deixa-a encostada, e todos os dias à noite, não a chegues sequer a fechar, porque assim, quando precisares de a abrir, eu não vou ter de ouvir a maçaneta rodar.
Não te peço que me tragas um ramo de rosas uma vez por mês, muito menos o pequeno-almoço requintado. Não quero nenhuma mala nova nem nenhuma mensagem romântica.
Quando saíres, apaga todas as luzes, bem devagarinho, para eu não ter de ver a tua sombra escapar-se para o não sei onde e não sei porquê. Perder alguém sem saber é melhor do que perder e permitir, e como em mim não há nada que possa interpelar nas tuas decisões, teria de te deixar ir com o vento, como uma senhora de classe que perde o chapéu enquanto passeia à beira-mar.
Sempre te imaginei a sair da minha vida assim. Sem saber nem entender o porquê, saindo só, como um espírito inconformado e incongruente que não sabe para onde vai, mas que ainda assim, prefere ir. O segredo do nosso amor sempre foi eu aceitar essa tua ligeireza de ideias, mesmo sem perceber. Portanto, quando partires deixa a virtude do segredo e o raio de luz que nos iluminava permanecer na minha memória, até que ele se desvaneça sem eu dar conta.
Enquanto não esquecer, a porta do quarto continua aberta durante a noite.

Antevisões


O fruto proibido é o mais apetecido. Quem brinca com o fogo, queima-se. Quem desdenha quer comprar. Não deixes para amanhã aquilo que podes fazer hoje. Grão a grão, enche a galinha o papo. À noite, todos os gatos são pardos.
Os inevitáveis ditados diários que nos criam ou estereótipos ou brutas contradições mentais. Só existem para nos criarem ideias que se adequam à sociedade em que vivemos, nada mais. Só existem para fazerem de nós iguais uns aos outros, psicologicamente.
No entanto, ditados como estes vêm tirar a graciosidade que a vida nos releva de vez em quando, às vezes, ou até, sempre. O poder e a curiosidade da vida são o mistério e a contradição que ela nos traz.
Não digam que não, porque a verdade é que a vida é bela. É bela porque tem passado, presente e futuro. Tem passado que nos assombra e nos faz temer o presente, presente este que tem sempre um dom de ambiguidade, impulsividade e erro. Por fim, a vida tem o milagroso futuro, que, apesar do medo do passado e das sombras que ele acarreta, o futuro transporta o mistério do desconhecido, do improvável, do imprevisível, daquilo que não pode ser previsto e dado como certo, somente como possível. E como o futuro é inseguro, ele amarra cada pessoa à sua própria vida, só porque cada ser tem a curiosidade para conhecer aquilo que a entidade divina, quer exista quer não, tem para lhe mostrar.
O que para cada um de nós está intimamente reservado, é por nós já conhecido, e como tal, evitamos confrontá-lo, em busca de um milagre que altere aquilo que nós próprios somos capazes de profetizar.