sábado, 10 de julho de 2010

Prioridade

E querias sentir aquilo que sentes diariamente com mais intensidade. E querias adivinhar qual a última voz que ouvias quando o mundo acabasse, a voz terna que ia dizer aquilo que sempre fora inefável. E um abraço que te envolvesse como só o algodão faz, um sopro verde que te levasse para longe, e uma caixa de lápis de cera para colorires o preto e branco dos rostos de horror, e uma ligadura que cobrisse todo o sangue. Querias a acetona para te descomprimir dos desgostos e o amoníaco para eliminar os pesadelos.
Querias largar as prioridades e recorrer somente às opções. Depois pensaste que a única opção era esquecer. E quando de facto esqueceste, percebeste que tinha sido essa a tua prioridade.

quinta-feira, 1 de julho de 2010

Fazes-me falta

Como sabes eu vivo de relâmpagos; contigo partilhei uma trovoada um pouco mais longa do que o habitual. Foi apenas isso. De qualquer modo, a morte espreita sobre todos os prazeres dessa cronologia a que nos agarramos para escapar ao tempo. O que somos para além do que vamos sendo? O meu além eras tu- íman da minha íntima, impessoal temporalidade. Redenção dos males que me amputaram. Tu. (...) Feliz por estar ao teu lado outra vez. Ao lado dessa que já estava morta um bom par de anos antes de tu morreres. Fazes-me falta. Mas a vida não é mais do que uma sucessão de faltas que nos animam. A tua morte alivia-me do medo de morrer. Contigo fora de jogo, diminui o interesse da parada. E se tu morreste, também eu serei capaz de morrer, sem que as ondas nem o céu nem o silêncio se transtornem. Cair em ti, cada vez mais longe da mísera ficção de mim.

Inês Pedrosa