Digo desde já que para mim, o Memorial ficou órfão. A partir de um homem que era ateu e comunista, até um escritor que talvez não o fosse tanto como afirmava, mas que primava no seu carácter visionário e vanguardista. Não digo foi, porque ainda o é, vai sempre ser, como tal: é sem dúvida um dos melhores, senão o melhor, autor português, que ousou carregar às costas a língua portuguesa até lugares que seriam provavelmente inimagináveis. Começando na coragem e irreverência, terminando na criatividade e mentalidade, acho que a melhor homenagem que se pode fazer a alguém assim é continuar a citar os seus quadros de letras.
"Não digamos, Amanhã farei, porque o mais certo é estarmos cansados amanhã, digamos antes, Depois de amanhã, sempre teremos um dia de intervalo para mudar de opinião e projecto, porém ainda mais prudente seria dizer, um dia deciderei quando será o dia de dizer depois de amanhã, e talvez um dia preciso, se a morte definidora vier antes desobrigar-me do compromisso, que essa, sim, é a pior coisa do mundo, o compromisso, liberdade que a nós próprios negámos..."
José Saramago
