quarta-feira, 15 de setembro de 2010

Crítica

Quero resguardar em mim o espírito deste texto. A possessividade actual da essência de cada uma das palavras. A intertextualidade que se relata peremptoriamente em busca daquilo que possa vir a ser descoberto.
O génio, o crime, a mentira, a guerra, os sinais infinitos da inadaptabilidade ao meio que nos sofre, as marcas de água e sangue no rosto dos poetas que se invalidam com tanta poeira seca que revolta o ar e nos inunda as fossas nasais para nos apodrecer de loucura, para nos cultivar o medo e para nos sacudir os sorrisos.
A terra suja que calcamos e as folhas rasgadas que nela brotam, as pedras que eram cor de marfim e que são agora cor de fumo, as fábricas de luxúria alardeada que têm o expoente máximo da carência de devoção ao verde amazónico, os tribunais sem tribunas que se constroem à mão dos juízes infiéis que mentem ao povo em nome do papel colorido que o estado lhes envia em envelopes selados pela miséria e pelo desacordo da decadência de uma população não viva, o escarne e o mal dizer à conta de um sistema de ricos e pobres que procuram as latas do desenvolvimento esquecido, os puritanos dos animais inocentes aos quais se referem como mera carne de consumo, a inconsciência da inexistência de uma mesma consciência que pudera ordenar pelos actos que foram impunes e mesquinhos, a hereditariedade de um consumismo extremo pelo pleno amor-próprio, pela ignorância repugnante do altruísmo e pelo casamento faustoso que se prezou entre o egoísmo e a indecência moral de cada cidadão, os elogios egocentristas e as críticas galardoadas, os futebolistas multimilionários e os seus palacetes com o dinheiro daqueles que não conseguem pagar as prestações em atraso, os tiros para o ar e os tiros nos alvos descomunais, o patriotismo descrente na comunidade de anjos que já não o são, a fé e a esperança relevadas para uma escala de milímetros onde já nem o tempo se mede ou conta pela intemporalidade para a qual ele fora enviado, as igrejas e as capelas acusáveis que pregam em nome de Deus e de Cristo pela paz e pelo amor, quando o que fazem é trair os princípios básicos da moralidade, nunca evocando os pontos fulcrais que o divino consideraria monumentais e exactos, as escolas e as universidades que ensinam a teoria e falham a prática, que extorquem os próprios aprendizes e que se dizem em nome da sabedoria quando o que lhes cobre a mente é o dinheiro e o poder, os carros dos políticos que se sentam durante um dia sem pausas numa assembleia de falsidade e de ataques pessoais, não recordando que cá fora a vida não é cor-de-rosa nem há muito menos tempo de olhar as estrelas. A horripilante verdade de uma concreta conspiração involuntária que remete o que temos para o que não temos e nos deixa, a cada dia que passa, em volta do nada.
Um brinde ao desmoronar de uma sociedade e à podridão emocional que a dirige.

sábado, 4 de setembro de 2010

Is it?

Quero apenas cinco coisas..
Primeiro é o amor sem fim
A segunda é ver o outono
A terceira é o grave inverno
Em quarto lugar o verão
A quinta coisa são teus olhos
Não quero dormir sem teus olhos.
Não quero ser... sem que me olhes.
Abro mão da primavera para que continues me olhando.


Pablo Neruda

terça-feira, 31 de agosto de 2010

Quero-te

Apaixonas-me, cegas-me, inventas-me, enlouqueces-me, atrapalhas-me, confundes-me, baralhas-me, entristeces-me, enraiveces-me. Amas-me. Eu amo-te.
Quero-te tanto que exclamo para que sejas ar, céu, terra, mar. Para que tudo em que toque tenha o teu cheiro, para que tudo que me rodeia seja a tua pele, para que tudo aquilo em que caminho sejam os teus cabelos. Anseio para que toda a minha vida dependa de ti, e por isso, odeio-te. Odeio-te porque quando fecho os olhos tu já não existes no que vejo e passas a existir no que não vejo, odeio-te porque quando não estou a dormir sonho contigo eternamente, e quando durmo, continuo a sonhar. Odeio-te por fazeres de mim alguém diferente e inexplicavelmente maravilhoso. Odeio-te por fazeres parte de mim, por arrancares pedaços da matéria de que sou e os guardares só para ti a sete chaves de ouro e fogo, sem uma única partilha. Odeio-te porque na verdade, não te tenho, porque não estás aqui, e odeio-te quando estás. Odeio-te porque existes. Amo-te.
Contigo, com os teus lábios, não consigo respirar, sufocam-me, deixam-me inconsciente. Não sei viver sem ti, nessa tua ausência tão demorada. Queres matar-me com as tuas mãos, num abraço que me asfixia, queres envolver-me no teu perfume, queres infectar-me com a tua voz, apunhalar-me com o teu toque. Mata-me de vez porque sem ti já não sei delinear qualquer essência que me prenda e me faça reclusa. Porque quando se faz noite preparo os meus lábios e eles já não sentem nada, porque quando reclamo o teu nome em prosa vulgar tu não lhe respondes, e mesmo com a poesia elaborada, ouço apenas o silêncio a tentar tomar o teu lugar, que se torna cada vez maior e mais vazio, que está cada vez mais frio e faz pairar a tua figura, sempre mais esbatida do que no dia anterior.
Amo-te, porque tudo em ti faz parte de mim, tudo aquilo que te rodeia faz parte do meu mundo, pois o nosso mundo é exactamente o mesmo, idêntico em tudo, em todos, completamente igual. Amo-te porque ao teu lado sou melhor do que sem ti, amo-te porque aquilo que sinto por ti é capaz de quebrar correntes de oceanos, cravar sulcos nos continentes, abrir fendas no ar até ao vazio, e amo-te porque o meu sentimento por ti é inquestionavelmente mutável de dia para dia. Por tudo isto te continuo a odiar, persistentemente.
O quanto desejo que me arrastes pelo chão, que me abraces com tanta força até que o mundo inteiro desapareça e colapse num ponto, ficando só eu e tu, para que me assassines em paz e solidão. Quero-te, odeio-te, desejo-te, anseio-te, amo-te, porque até o chão grita de prazer à tua passagem, até o ar vibra com a tua voz, até o mar te evoca quando te ausentas, até a chuva te quer tocar para sentir a tua aura. E isso mata-me, tu matas-me: sentes o sangue a escorrer, e o êxtase, e o medo que é inimigo, e a adrenalina a correr-te pela epiderme, e aquela sensação agradável que percorre todo o teu sistema nervoso e te faz tremer e parar no tempo para te ofereceres às delícias da luxúria e da tentação; e sentes-te bem.
Dá-me a tua alma para poder matá-la também.

sexta-feira, 13 de agosto de 2010

How to love a woman

“You may not be her first, her last, or her only. She loved before she may love again. But if she loves you now, what else matters? She’s not perfect - you aren’t either, and the two of you may never be perfect together but if she can make you laugh, cause you to think twice, and admit to being human and making mistakes, hold onto her and give her the most you can. She may not be thinking about you every second of the day, but she will give you a part of her that she knows you can break - her heart. So don’t hurt her, don’t change her, don’t analyze and don’t expect more than she can give. Smile when she makes you happy, let her know when she makes you mad, and miss her when she’s not there.”

Bob Marley

quarta-feira, 11 de agosto de 2010

Frágeis

Um impasse. A fragilização inconstante das palavras monótonas e magnetizadas, uma deteorização surreal dos suburbanos, na complacência desmedida em que nos deslocamos. E se tudo o que conhecemos hoje, tal e qual como se aparenta ser, mudar, de um dia para o outro? E se cada significado construtivo se destruir contraditoriamente ao que idealizamos? Doloroso é porém habitar no segredo dos “ses” e “mas” que revitalizam as dúvidas e nos apoquentam as inseguranças dos riscos que traçamos.
As palavras são cada vez mais um sinónimo de medo. Não só pela sua agressividade do tempo, ou pela forma como matam silenciosamente, mas sim pela manutenção coerente que requerem, como um carro, pela verbalização motivada que imploram, pelo sentimento violento que interrogam. As palavras são como as ilusões de óptica: têm sempre uma multiplicidade complexa de pontos de vista, os quais nunca sabemos se são, de facto, reais.
Um impulso. Uma verdade que não é verdade, um súbito raiar e um célere movimento transtornado. Mas, e o que acontece quando nos apercebemos de que a própria verdade já caiu em desuso? Existem os cépticos, ou os dogmáticos. Os crentes, os ateus, os agnósticos. Existe o plausível, o provável, existe sobretudo, aquilo que é biodegradável. Existem sempre dois ou mais cumes, entre os quais é quase impossível deliberar.
Assim, as palavras quebram, as letras ficam gastas, no papel de quem as escreve, na língua de quem as cita, nos ouvidos de quem as absorve. As traduções são agora pouco verosímeis e atraiçoam-nos em qualquer momento. As interpretações são delicadas e por vezes manipuladas por quem as faz.
Já não somos o que éramos, e apesar de ninguém mudar nunca, estamos num carrossel fixo.