quinta-feira, 3 de fevereiro de 2011

A libertação da literatura


Não conheço nenhum outro processo de libertação tão eficiente como a arte. Mais esmiuçadamente, a literatura.
Para aqueles que apreciam a arte das letras e que nelas encontram a guarita de mais um dia de fadiga, não há nada mais tonificante do que uma boa frase, um bom texto, nem que seja uma boa anedota. Para os mais astutos, nada melhor que uma boa reflexão, nada mais revigorante que umas boas páginas de um livro, uns bons parágrafos e umas estilizações ágeis.
Não conheço, sem sombra para dúvidas, nenhuma outra maneira de libertar e refrescar a mente como esta.
A palavra “liberdade” implanta-se muito bem na literatura. Aliás, a literatura é liberdade, e a literatura evoca o chamamento da liberdade naqueles que a prezam. Ler é aspirar liberdade. Mas ler é, também, por conseguinte, adiar o que nos pertence: os constrangimentos, as frustrações, as preocupações, os desprezos, as angústias. Porque para sermos livres temos de nos desapegar daquilo que se apegava ao nosso ser, e quando lemos estamos a fazê-lo: estamos a ler os males de outros e a descolarmos os nossos, seja por horas ou por meros minutos. Isto quer ainda dizer que todos esses nossos males, ou são fruto da nossa leitura, ou são o desencadear da mesma. Ou são a explosão do que lemos, ou a construção aos poucos e poucos de novas realidades.
O escritor, porém, permanece o idílico homem livre. O homem livre que escreve, abstraindo-se do papel que coloca diante dele. Ou é, de facto, assim tão livre, ou então deseja sê-lo vivamente. Tão livre e tão ideal, ou tão sedento por não o ser. Tão perfeito aos olhos dos leitores, ou tão necessitado quanto estes últimos. Quer escreva um romance, quer aposte num drama, quer descreva um assassino em série ou uma criança inocente que perde os pais num acidente horrendo, o escritor é tão pouco livre nas palavras porque tem só aí de fazer uma pesada escolha. O escritor é tão pouco e tão nada que precisa de escrever para ver os fantasmas desabotoarem-lhe a camisa e deixarem-no respirar. O escritor é tão recluso da sua própria mente como a sociedade se vê reclusa da mente de outrem. E ainda assim, ambos anseiam ser livres, e a ilusão de que o são majestaticamente alimenta todo um processo de libertação inconsciente que nos mata, cega, engole, e deleita: a literatura.

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