terça-feira, 19 de julho de 2011

Trabalho


Trabalhos. Trabalhos simples, trabalhos árduos, trabalhos aborrecidos, trabalhos fascinantes ou ridículos, trabalhos que cansam e trabalhos que deixam a desejar, ou que são desejados. Trabalhos.
Sejam eles quais forem, não são mais trabalhos que singelas preparações, pois a mais complexa e exacerbada tarefa talvez seja a de amar a outro o quanto nos amamos a nós. É necessária não só dedicação como também ambição e prazer no trabalho que se impõe, coragem, na sua forma mais ampla e mais sintética, para uma actividade que pode ser tão estranha e tão inexplicável que possivelmente podemos até nem chegar a encontrar.
Deixar-se amar também não é linear ou puritano. Deixar-se amar é deixar-se consumir numa chama infinita; amar é fazer-se incendiar a si próprio numa luz perene. Um é completar o outro, é fazer ver duas solidões juntas para que deixem de o ser.

Tenho mais almas que uma

Vivem em nós inúmeros;
Se penso ou sinto, ignoro
Quem é que pensa ou sente.
Sou somente o lugar
Onde se sente ou pensa.

Tenho mais almas que uma.
Há mais eus do que eu mesmo.
Existo todavia
Indiferente a todos.
Faço-os calar: eu falo.

Os impulsos cruzados
Do que sinto ou não sinto
Disputam em quem sou.
Ignoro-os. Nada ditam
A quem me sei: eu 'screvo.

Ricardo Reis, in "Odes"



segunda-feira, 9 de maio de 2011

Que nada nos limite, que nada nos defina


Que nada nos limite, que nada nos defina 
que nada nos sujeite. Que a liberdade seja 
nossa própria substância, já que viver é ser 
livre. Porque alguém disse e eu concordo, que 
o tempo cura, que a mágoa passa, que decepção 
...não mata, e que a vida sempre, sempre continua.

Simone de Beauvoir

terça-feira, 29 de março de 2011

Rir


A nossa situação já nem sequer dá azo a muitas críticas ou dissertações. O assunto não está encerrado mas está, com certeza, mais do que enterrado. E porventura, bem lá no fundo, perto do sufoco.
Na minha opinião, chegamos ao patamar em que a melhor crítica e a mais poderosa é sem dúvida a gargalhada. O governo cai? Rir. O IVA sobe? Rir. Corrupção? Rir. Opressão? Rir. O riso não é um sentimento, não é uma palavra, não é tão pouco um pensamento, não cria nada, mas destrói. A política pode tomar o rumo que tomar, a atitude que quiser e bem lhe apetecer, que o mais correcto nesta altura é dar uma gargalhada bem alto. Pode ser que um dia destes o parlamento reúna todas as gargalhadas e se ria com o resto do povo. 

Prémios



Gostava de perceber porque é que as pessoas tanto sentem a necessidade de verbalizar tudo e mais alguma coisa. Gostam de pensar nos porquês, e nos mas, e nos ses, e nas razões e nos motivos, e nas justificações, e acabam por não perceber minimamente aquilo que tentam decifrar mas continuam desenfreadamente atrás de uma explicação que na maior parte das vezes não existe.
Nesse aspecto, tudo aquilo que adquirimos na vida acabam por ser simples prémios que não têm qualquer mérito. Por exemplo, quando um homem diz a uma mulher que a ama, e que a ama porque ela sabe cozinhar o prato favorito dele, porque ela não olha para outros homens e é decente, porque é inteligente, porque é sensível e porque espera por ele todos os dias. Alguém se sente realizado com isso? Optava mil vezes por alguém que me dissesse que é louco por mim apesar de eu ser fria, calculista e manipuladora, sem saber porquê.